terça-feira, 16 de maio de 2017

Pra eu me lembrar de ser humilde.

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Estou conseguindo colher umas dicas legais de sobrevivência com os mais antigos aqui. É que eu ainda tenho essa coragem de acreditar que algumas pessoas sabem que sou nova no pedaço e têm uma certa boa vontade pra "me preparar" para o que pode vir a acontecer. Difícil é separar as fofocas e as histórias de terror daquilo que pode realmente ser útil.

Vejam o caso de Beatrix Kiddo, vamos chamá-la assim. Kiddo era uma policial que trabalhava neste setor antes de mim, legitimamente loira, alta, magra e linda. Por sua competência, ela era o arquétipo de mulher policial de sucesso em que todas nós mulheres policiais, nos espelhamos; uma lenda; uma verdadeira policial do Brasil que dá certo. Segundo a Constituição, Kiddo é o ícone absoluto para aquelas que querem atingir o sucesso e o respeito profissional de forma fina, elegante e sincera. 

Lembro-me de que, quando eu estava ainda dando meus primeiros passos na polícia, precisei do apoio dela em uma missão que vim cumprir aqui e ela agiu com a educação e nobreza de uma rainha. Impecavelmente profissional, porque ela era encantadora assim com todo mundo, mesmo. Nessa época ela já era chefe aqui e eu sequer imaginava ser possível para mim, um dia, trabalhar neste lugar. Não obstante, esta mulher já me mostrava que eu poderia chegar bem mais além do que eu achava ser possível. 

Adoraria aprender diretamente com ela, no dia a dia, mas como ela não está mais aqui, me contento com os spin-offs de testemunhas. Todos concordam que ela tinha o timing perfeito, o tom de voz preciso, a capacidade de intervir cirurgicamente e que ela sabia calcular de cabeça o delta espaço sobre o delta tempo da chegada ou retirada  na hora certa. Ela é talentosa em lidar com bom senso e oportunidade. Não me constranjo em dizer que ela sabe ser na prática o que eu só sei na teoria. Me debato com isso de saber chegar e saber sair o tempo todo. É uma habilidade, ainda pouco dominada por policiais, infelizmente, uma ciência que não se aprende na Academia.

- Certo. E por que então que ela "caiu"?

Boa pergunta. Fontes de confiança me disseram que ela foi dispensada dessa missão porque era "preparada demais, sabida demais, segura demais", dando a entender que foi sua própria vaidade que puxou o tapete dela.

- Sério mesmo? - Pergunto desconfiada. - Daí que eu nem sei por onde começar, amados. O que é isso, afinal, o "Dia Internacional do Mistério"? 

Assim, como policial mirim que sou, venho informar que não tenho como processar essa teoria esquizofrênica, ok? Porque não estou admitindo ninguém colocar "preparo", "sabedoria", "segurança" e "vaidade" na mesma frase. Se é uma pessoa vaidosa, logo, não tem preparo! Não tem sabedoria! E não tem segurança nenhuma!

terça-feira, 2 de maio de 2017

A primeira lotação a gente nunca esquece.

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Então você ainda é aspirante a um cargo nas fileiras policiais e já está providenciando inquietações com a sua primeira lotação? Normal. Aí vão algumas noções preliminares pra você sobreviver às primeiras desilusões do lado de cá.

Antes de mais nada, acho charmoso quem se sente completamente à vontade com a escolha do cargo. Existem atividades típicas de escrivão, papi, perito etc. que estarão na pauta por toda a sua carreira. Logo, tenho muita pena de quem não tem a menor vontade de tocar inquéritos policiais e escolhe trabalhar como delegado ou escrivão, ou de quem é louco com armas e faz prova pra agente administrativo. Mas uma coisa é certa: cada cargo tem seu ônus e seu bônus, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Uma escolha consciente do cargo já vai eliminar boa dose de frustração desde o início. 

O cargo onde a gama de atividades possíveis é maior, sem sombra de dúvida ou empáfia, é o de agente de polícia. Na prática, agentes podem ser lotados em qualquer setor da polícia, do plantão à corregedoria; Do setor de pessoal ao IML; Podem assumir tanto funções mais intelectuais, como aquelas mais operacionais e até administrativas. Têm chance de ter de lidar com o público externo; de trabalhar em grupo ou de cumprir expediente fechado numa salinha. Penso que o maior contingente na minha polícia é formado por ocupantes deste cargo. Assim, pelo menos teoricamente, é este profissional que tem mais liberdade ou flexibilidade de locomoção sem comprometer o efetivo local. Até pra conseguir uma permuta é mais fácil... agora, se só tem um papiloscopista na sua delegacia, normalmente o chefe só vai liberá-lo quando chegar outro pra ocupar o lugar dele. Note, porém, que uns 85% (ou mais, não sei) dos heróis mortos em combate foram policiais ocupantes do cargo de agente.

Claro que qualquer pessoa minimamente sensata entende que pra tudo isso existem cínicas exceções. Então vamos falar das exceções! Por exemplo, o critério técnico às vezes ajuda. Qualquer policial com habilitação para pilotar aeronave, terá boas chances de um dia ser recrutado pra trabalhar na atividade de operações aéreas, não é mesmo? Não tem nada de vil nisso, porque é um policial em 1.000 (10.000, sei lá eu) que já chega na polícia com essa habilidade. E a polícia precisa de pilotos de aeronave! Então, mesmo que ironicamente esse cara tenha sido primeiramente lotado na caixa prego do velho oeste ele tem chances de ser movimentado para este setor específico. Mas presta atenção! Eu disse "chance"... Não estou dizendo que se o cara tem brevê de piloto, certeza que ele vai pilotar aeronave policial... Sei, por exemplo, de inúmeros casos de colegas muito competentes que perderam oportunidades interessantes, simplesmente porque fizeram uma declaração pública infeliz sobre uma licitação mal feita, sobre seus planos de carreira ou sobre o cabelo do Diretor da Polícia. Diagnóstico: "queimado!". Outros não falaram nem fizeram nada, mas deram com a cara na porta por uma simples mudança da política interna do setor. Diagnóstico: "azarado!".

Desmistificando melhor o tema, dos agentes novinhos que chegaram na primeira lotação junto comigo, parece que o primeiro critério para determinação de lotação dentro da delegacia foi a capacidade técnica. Quem declarou habilidades administrativas (licitação, contratos, jornalismo, RH, TI, etc), assumiu funções ligadas a tais áreas. Os demais foram pulverizados nos setores mais carentes de pessoal.

Pelo que observei, as lotações internas mais traumáticas foram a de um colega muito bacana que tinha experiência em tribunal, olhinhos azuis, todo mauricinho que foi designado a cuidar do transporte. Alguém aí faz concurso pra polícia sonhando em cuidar das viaturas? Ficou visivelmente desapontado, mas foi. Ficou nesse setor por uns dois másculos anos e depois conseguiu um lugar pra chamar de seu. Teve também uma colega especializada, que foi para o RH super voluntariamente, feliz e realizada, mas ao assumir a função, bateu de frente com uma agente administrativa, antiga chefe do setor e quase se pegaram. Dava pra ouvir o choro nervoso dela na sala do chefe. Mas todos sobrevivemos.