sábado, 30 de janeiro de 2010

Mulher bunda-mole

Fernanda acordou às seis, arrumou as crianças, levou-as para o colégio e voltou para casa a tempo de dar um beijo burocrático em Artur, o marido, e de trocarem cheques, afazeres e reclamações.

Fez um supermercado rápido, brigou com a empregada que manchou seu vestido de seda, saiu como sempre apressada, levou uma multa por estar dirigindo com o celular no ouvido e uma advertência por estacionar em lugar proibido, enquanto ia, por um minuto, ao caixa automático tirar dinheiro.

No caminho do trabalho batucava ansiedade no volante, num congestionamento monstro, e pensava quando teria tempo de fazer a unha e pintar o cabelo antes que se transformasse numa mulher grisalha.

Chegando à delegacia, foi quase atropelada por uma gata escultural que, segundo soube, era a nova investigadora, recém enviada pela chefia geral para o cargo que ela, Fernanda, fez de tudo para pegar, mas que, apesar do currículo excelente e de seus anos de experiência em quase todas as delegacias e nos departamentos especializados e por sua dedicação, e destreza no uso de armas, e sua aptidão para investigar não conseguiu.

Pensou se abdômen definido contaria ponto, mas logo esqueceu a gata, tira pára-quedas e calça branca porque no meio de uma reunião com o titular, ligaram do colégio de Clarinha, sua filha mais nova, dizendo que ela estava com dor de ouvido e febre.

Tentou em vão achar o marido pelo Nextel, pelo celular e em última instância pelo rádio da polícia e, como não conseguiu, resolveu ela mesma ir até o colégio, depois do encontro com o novo titular que acabava de assumir a delegacia, que se revelou um chato, neurótico, desconfiado e com quem teria que lidar nos próximos meses.

Saiu esbaforida e encontrou seu carro com pneu furado. Pensou em tudo que ainda ia ter que fazer antes de fechar os olhos e sonhar com um mundo melhor. Abandonou a droga do carro avariado, pegou um táxi e as crianças.

Quando chegou em casa, descobriu que tinha deixado a porcaria da pasta com os relatórios de investigações que precisava ler para o dia seguinte na delegacia! Telefonou para o celular do marido com a esperança que ele pudesse pegar os malditos relatórios de investigações na sua sala, na DP, mas a bosta continuava fora de área.

Conseguiu, depois de vários telefonemas, que um agente lhe trouxesse a porcaria dos documentos e não foi nem com a viatura, foi com sua motocicleta que rateava e falhava de um cilindro. Argh..!

Tomou uma merda de banho, deu a droga do jantar para as crianças, fez a porcaria dos deveres com os dispersos e botou os monstros para dormir.

Artur chegou puto de uma reunião na sede do departamento, reclamando de tudo. Jantaram em silêncio.

Na cama ela leu metade do relatório e começou a cabecear de sono. Artur a acordou com tesão, a fim de jogo. Como aqueles momentos estavam cada vez mais raros no casamento deles, ela resolveu fazer um último esforço de reportagem e transar.

Deram uma meio rápida, meio mais ou menos, e, quando estava quase pegando no sono de novo, sentiu uma apalpadela no seu traseiro com o seguinte comentário:- Tá ficando com a bundinha mole, Fernanda... Deixa de preguiça e começa a se cuidar.

Fernanda olhou para o abajur de metal e se imaginou martelando a cabeça de Artur até ver seus miolos espalhados pelo travesseiro! Já podia antever os tiras da homicídios fazendo o local com a competente recognição visuográfica que aprendera ao ler na academia o livro Recognição Visuográfica e a Lógica na Investigação Criminal lançado pelo Doutor Marco Antônio Desgualdo.

Depois se viu pulando sobre o tórax dele até quebrar todas as costelas! Com um alicate de unha arrancou um a um todos os seus dentes depois lhe deu um chute tão brutal no saco, que voou espermatozóide para todos os lados! Pobre do Artur...

Em seguida usou a técnica que aprendeu num livro de auto-ajuda: como controlar as emoções negativas. Respirou três vezes profundamente, mentalizando a cor azul, e ponderou. Não ia valer a pena, não estamos nos EUA, não conseguiria uma advogada feminista caríssima que fizesse sua defesa alegando que assassinou o marido cega de tensão pré-menstrual... Resolveu agir com sabedoria.

No dia seguinte, não levou as crianças ao colégio, não fez um supermercado rápido, nem brigou com a empregada. Foi para uma academia e malhou duas horas. De lá foi para o cabeleireiro pintar os cabelos de acaju e as unhas de vermelho. Ligou para o titular da delegacia, aquele insuportável e disse tudo que achava dele, da mulher dele da viatura dele e do projeto dele de como tocar uma delegacia cheia de problemas mil.... E aguardou os resultados da sua péssima conduta, fazendo uma massagem estética que jura eliminar, em dez sessões, a gordura localizada.

Enquanto se hospedava num spa, ouviu o marido desesperado tentar localiza-lá pelo celular e descobrir por que ela havia sumido. Pacientemente não atendeu. E, como vingança é um prato que se come frio, mandou um recado lacônico para a caixa postal dele.

- A bunda ainda está mole. Só volto quando estiver dura. Um beijo da preguiçosa...

(Extraído do livro: Este sexo é feminino/Patrícia Travassos e adaptado para o contexto policial por Marco Vinícios Ferreira, do blog Ligeirinho, que gentilmente sugeriu sua publicação no Mulher na Polícia).

domingo, 24 de janeiro de 2010

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Conflito de gerações.


É lamentável mas entre os novinhos tá rolando muita competição e aquela urgência de provar pra que vieram. Todos estamos sentindo claustrofobia, castração, blá, blá, blá. Na verdade nem posso reclamar da minha situação, tem novinho pegando cada missão! Tipo: conferência de patrimônio, controle de viaturas, comunicação social, organização de arquivos, enxugar gelo ou ficar só coçando mesmo. O que é de grande valia se você fez concurso para tal.

Os antigões ainda não confiam no sangue novo da polícia... Estariam inseguros em mostrar o caminho das pedras? Ou será que acham que ainda não estamos prontos? E enquanto a gente blasfema que pode fazer tudo melhor que a geral, as grandes missões continuam indo impreterivelmente pra quem??? Para os mesmos de sempre.

Acho que o maior orgulho do meu chefe é dizer que conhece “cada-buraco-dessa-cidade” e acho isso muito digno, mas ele manda sinais de que tá meio bolado pelo fato de o Parceiro e eu, que mal conhecemos sequer a vizinhança, estarmos dando conta do recado sem depender dele. Nosso segredo não está na argúcia policial, se essa é a preocupação dele. A gente tem Google Maps e GPS no celular do Parceiro... Oi, eu sei que GPS não mostra esconderijo de bandido, nem onde já morreu polícia. Mas como vou explicar isso pra um cara que usava máquina de datilografia até pouco tempo atrás porque tinha medo de digitar ordens de missão no computador dizendo que elas sumiam lá dentro?!

Embora eu ache até divertido entregar correspondência em viatura policial, penso que a população não precisa tanto desse tipo de carteiro de várzea (momento clichê). Mas um dia ainda vou descobrir por que raios a gente não manda essas benditas intimações pelos Correios, uma conceituada empresa pública, cujo efetivo é especializado nessa honrosa função. É só o destinatário assinar o AR (aviso de recebimento), ué...

Pensando bem, é melhor nem dar idéia, senão vou acabar fazendo segurança de carteiro ou pior, conferência de patrimônio, controle de viaturas, comunicação social, organização de arquivos, enxugamento de gelo, inventar história no blog - "... e daquele dia em diante sempre que eu passava a bandidagem se afligia desesperadamente: '...droga, droga, cancela geral! Novinha na área!!!' ".

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Dúvida irritante.

Será que eu mando logo um "vaza!" nesse delegado engraçadinho ou continuo fingindo que não estou entendendo essa conversinha fiada dele?

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Reflexos e reflexões.

As pessoas me olham diferente quando me mostro policial por causa desse aparato todo. Acho isso interessante. Meus pais não me viram assim ainda, eles são como quem me lê. Mesmo assim eles contam pra todo mundo com orgulho, os casos que eu narro, e sentem amor pelo que essas coisas dizem sobre mim. Eu herdei esse orgulho dos meus pais. Gosto da imagem forte e misteriosa que vejo refletida nos olhos das pessoas. Queria tanto ser o que elas vêem. Também olho a minha imagem nos olhos dos meus pais e sinto uma saudade dengosa do que fui pra eles. Enquanto sentir saudades saberei que ainda sou eu. Quero fazer você sentir essas saudades também pra poder se emocionar e gostar das minhas histórias. Você será testemunha das minhas saudades.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Dois neurônios.

 
 
Eu tenho dois neurônios. Enquanto um pensa e escreve o outro ouve e se entrega à música.

"A minha alma tá armada e apontada para a cara do sossego. Pois paz sem voz, paz sem voz, não é paz, é medo".

Ainda não me acostumei a andar armada. Adoro atirar e acho lindo ver um policial fazendo progressões no treinamento de tiro... Mas "às vezes eu falo com a vida, às vezes é ela quem diz": O mundo esqueceu das mulheres quando idealizaram equipamentos e armas de fogo.

Os meninos sim, tiram de letra. Agora, que roupa eu vou usar pra disfarsar esse volume todo na cintura? Só se for a capa do Batman!... "Qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?" Nem vem com essa história de arma na bolsa. Já pensou um saque rápido com arma na bolsa?! Em vez de gritar "Polícia" ou "Parado" é melhor gritar "Espera sentado!!!" porque ainda vou abrir o zíper da bolsa, procurar a arma no buraco negro... E imagine a cara do meliante se no lugar da arma eu saco uma escova! Ou uma sombrinha! E aponto pra ele... Ah... Vamos combinar?!

Coldre na canela só pra arma back up... pequena e mesmo assim tem que ser uma calça meio boca-de-sino. A pistola é grande e pesada demais... Oi, polícia também corre e eu não vou abrir mão desse calibre! Armas na polícia "são para trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que está nessa prisão".

Coldre axilar? Para mulher magra como eu? E onde eu coloco os meus braços? Não tem espaço aqui pra mais nada! Acreditem.
"Me abraça e me dê um beijo. Faça um filho comigo". É... tem aquele clássico coldre de coxa já consagrado no cinema. Mas esse é pra operações especiais, né? "Procurando novas drogas de aluguel nesse vídeo coagido".

E por falar em coldre... Existe coisa mais cafona neste mundo que coldre de couro!? "Só não me deixe sentar na poltrona em dia de domingo", usando uma coisa dessas! Quando é que a Dolce & Gabbana vai começar a fabricar coldres?

É pela paz que eu não quero seguir admitindo.