sábado, 27 de dezembro de 2014

Perfeito e simples.


Ele disse pra mim que um dos melhores momentos desse ano pra ele foi naquele fim de tarde onde depois de namorar um pouquinho ficarmos os dois juntinhos assistindo aos clips das músicas que deixei tocando aleatoriamente no celular. Eu gostei de ouvir isso. Gostei muito.

* Ps.: Atendendo a pedidos, uma palhinha das minhas top músicas para ouvir depois.

Roberta Campos - Maior que o mundo
Christina Perri - A thousand years
Flávio Venturini - Noites com sol
Ziggy Marley - Drive
Djavan - Correnteza
Coldplay - The scientist
Nuria Mallena - Quando assim
Vander Lee - Esperando aviões
Adriana Calcanhoto  - Inverno
Pedro Mariano - Simplesmente
Green Day - Wake me up when september ends

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Mais iguais que os outros.


Enquanto devolvia materiais sob minha cautela naquela Divisão, me assombrei com a necessidade que aquele engravatado tinha de tentar se vingar de qualquer jeito. Ficou só na vontade, porque agora quem não quer sou eu. Entreguei a chefia por conta daquele incidente que narrei no post anterior. 

Essa reação agressiva do delta corrobora com a perspectiva de Clarice Lispector que disse estar enganado aquele que não sabe que a simplicidade se conquista com muito trabalho. É que pra ele, era uma afronta eu abrir mão do "status" que "ele me dava" através daquela chefia ridícula. Um ingênuo esse pobre coitado. É uma vítima da competitividade autocentrada e estúpida entre pessoas e cargos nesse estilo irracional pré-renascentista de comandar a polícia, onde o chefe ainda se acha o centro do universo. 

Não me enquadro nessa cadeia de produção. Meu problema, segundo Fernanda Young, é que quero muitas coisas simples, então pareço exigente. Deve ser muito complexo para algumas pessoas aqui no Ocidente esse raciocínio de quem quer apenas fazer seu trabalho de forma honesta e dormir em paz. Essa é a paz que eu quero conservar pra continuar sendo feliz, ô Rappa.

Estou voltando para a minha área operacional, em um nível ainda melhor. E lá pretendo continuar trabalhando sem fazer acepção de pessoas. A lei precisa ser igual pra todos.

Fica um sentimento de revolta, de desesperança na Administração pela falta de humanidade no tratamento prestado ao contribuinte que, infelizmente, é quem sempre leva o prejuízo porque, provavelmente, estarão procurando quatro servidores pra fazer o trabalho que eu fazia sozinha e com muito prazer naquela Divisão. Acho que é uma boa oportunidade para aprenderem a prestigiar mais a alteridade em vez da autoridade.

Eu sou policial, sou servidora pública e tenho coisas mais interessantes pra fazer na polícia antes de me aposentar. Perdão pelo transtorno que causei, mas não fiz um concurso desses pra ser capacho de delegado capacho. 


***Hoje é aniversário do Mulher na Polícia. Cinco anos. Muito obrigada a você, leitor***.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Integridade.



Fé em Deus acredito que até o diabo tem. Agora, viver de forma coerente com essa fé e o amor que dizemos ter pelo nosso Deus "acima de todas as coisas" é outros quinhentos. E acredito também que Deus testa pedagogicamente a nossa fidelidade ao longo do caminho.

Há uns dias atrás, um desses cosplays do "poderoso chefão" me chamou no gabinete dele, a portas fechadas, e pediu uma "atenção especial" para um processo... Não gosto dessa expressão "atenção especial". Gosto de deitar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. Prerrogativa esta que não negocio em hipótese alguma. Por isso, dei de ombros, solenemente, ao pedido do engravatado, pois me reservo, categoricamente, o direito de dizer "não" toda vez que alguém me obrigar a fazer ou deixar de fazer algo, se isso agredir a minha natureza; estuprar a minha essência ou violar os meus valores.

Adivinha o que aconteceu?

~().()~
o

domingo, 19 de outubro de 2014

Feridas abertas.




Mensagem no meu celular (nomes adaptados):

"A tristeza pelo dia de ontem é muito grande. É tristeza pra mim. Pro Terroristazinho. Pro Indiozinho, pra mãe. E pro Senhor. Todos nós temos nossas razões. Todos nós estamos feridos. Eu não sei como isso irá terminar. Mas eu queria com o olhar da fé, vislumbrar as coisas mudadas, amadurecidas e resolvidas, para o bem de todos. Difícil. Mas, só posso recorrer ao trono da graça de Deus. Caso contrário, teremos somente as ruínas. Deus os abençoem neste dia, apesar do que se passa no coração de todos nós. Abraços do pai e esposo". 

domingo, 12 de outubro de 2014

A presa.


Dedicaria uma vida a estudar certos fenômenos psicológicos que acontecem no mundo policial, caso eu fosse uma psicóloga na polícia.

Eu, com armamento pesado nas mãos, tinha que ficar esperta enquanto fazia a segurança dos colegas que procediam à busca na casa dela. E ela estava ali na minha frente. Eu não a tinha, ainda, visto assim, de perto, mas já havia estudado o perfil dela pelas informações que me passaram. Tinha 26 anos e uma casa caída. Tentei ler seus pensamentos. Ela mostrou-se preocupada durante toda a busca, mas parecia mais um ar normal de preocupação. Até eu também ficaria preocupada com a polícia dentro da minha casa mexendo no meu guarda-roupas, ora. Já o namorado dela, rá... tava na cara. Era culpado, sim! Eu li isso com todas as letras na forma como ele perdia o olhar enquanto ensaiava mentalmente desculpas para o caso de encontrarmos o material.

Sentiu a diferença? Não queria ser desagradavelmente enfática nesses detalhes, mas a maioria dos homens que conheço são previsíveis como uma sequência nas músicas do Renato Russo, basicamente três notinhas num violão: Lá, Sol, Ré... e eu já sei como essa música vai acabar. Já nós, mulheres somos feitas de improviso, tipo BB King Jazz in Concert com sétima em sustenido maior que a minha capacidade de assimilação.

O chefe da operação era um delegado "zerinho" e desnorteado que não tinha noção sequer do que estava fazendo ali. Quase passou mal quando o colega gritou para que abrissem logo aquela porta. De forma que, na hora de voltar pra delegacia, em vez de determinar logo como faríamos, perguntei: "Chefe, e aí? Como é que o senhor vai querer levar esses dois?" Ao que ele me respondeu, com os olhos meio assustados pela pergunta: "Ah, não, ó... Vocês que sabem aí, o que vocês acharem melhor, tá? Eu tô aqui só pra blábláblá...". Eu já sabia... Vocês também. "Então ele vai aí com vocês e ela vem aqui comigo".

E assim foi feito. A menina foi conduzida ao banco de trás da minha viatura, em silêncio e de cabeça baixa.

Sentei-me do lado dela e comecei a arquitetar uma nova estratégia. Ela se mostrava muito envergonhada, provavelmente porque era outra mulher (eu) que estava do lado dela. E era esse sentimento mesmo que seria usado contra ela - a vergonha. Mas não agora. Quando a viatura começou a andar eu disse: "você sabe porque está sendo presa, não sabe?". Porque a gente é que não tinha certeza se ela era a vendedora no áudio (interceptações telefônicas). A pergunta foi como um tapa na cara e ela desatou a chorar, articulando arrependimentos extemporâneos e deixando o cabelo ombré esconder o rosto visivelmente quente. E logo começou a vomitar sentenças que conectavam as informações que eu já tinha. Era ela mesma!

Sem pressa, esperei ela parar de chorar. Quando ela ficou mais calma, senti que era hora de avançar mais um pouquinho. A garota estava sozinha dentro de uma viatura com três policiais, sem saber pra onde estava sendo levada. Qualquer um que lhe oferecesse uma cobra dizendo que era uma corda ela agarraria pra sair dessa. Cutuquei a perna dela de leve com a minha, pra estabelecer uma conexão e disse com voz bem tranquila, como quem só quer ajudar: "Olha, você não precisa falar nada pra mim, não, tá? Pode ficar calma, esperar seu advogado. Tá tudo bem?". Ela respondeu que sim! Putz, ela estava realmente apavorada! Aposto que a vontade dela era deitar a cabeça no meu colo e chorar até amanhã pedindo perdão. E eu tive pena. Até achei que essa seria uma prisão bacana, que eu faria com prazer. Mas na hora "H", eu tive pena one more time.

Então comecei a puxar na minha memória o que esta... criatura falava ao telefone (xingar vagabundo é muito cliché mesmo para blogs policiais). Tem certos crimes que mexem mais com a gente do que outros, pela covardia do autor, pela fragilidade das vítimas, pelas sequelas emocionais que deixam nos envolvidos, pelos sinais de maldade no coração. Ou, simplesmente porque a pessoa não se toca do mal que está fazendo, como se sua mente obscena estivesse cauterizada. Esse tipo faz as pupilas da gente dilatar de raiva. Contudo, essa guria estava, pelo menos, envergonhada. Era um bom sinal. Vai ter tempo agora pra parar e pensar no que fez da vida. Sempre tenho esperanças.

Esse sentimento dela, de vergonha, foi meu fórceps. Cada um tem seu jogo, mas todo bandido tem mãe. A dela era evangélica praticante. Essa menina provavelmente foi criada na igreja, frequentou Escola Bíblica Dominical, cantou no coralzinho infantil, sabia histórias de personagens bíblicos como Sansão, Davi, Moisés... sabia perfeitamente bem as consequências espirituais das suas atitudes. Posso deduzir que tinha curiosidade para conhecer o mundo fora da igreja e achou que tinha condições de "andar à beira do abismo", bancando o risco sob a desculpa de que Jesus comia com pecadores. Baixou a guarda, trouxe despojos de guerra para casa, se envolveu com o cara errado e deu nisso. Porém, mãe é mãe. E mãe de bandido sofre miseravelmente! Essa parte da investigação na casa da mãe dela tinha ficado comigo, fiz campana lá com outro colega um tempão. É ótimo fazer campana quando se é mulher, ninguém imagina que é isso o que você está fazendo lá, sentada na calçada batendo bapo. Por isso eu sabia que era por aí.

Eu apenas mirava o coração quando disparei: "Eu só tenho pena da sua mãe, quando ela souber disso". Essa frase deve ter doído mais do que qualquer outra coisa que eu pudesse ter-lhe feito. Era a verdade pura, nua e crua. E a verdade dói mais que uma surra. Mas acabei atingindo também o cérebro, porque ela entendeu que a polícia sabia de tudo da vida dela (mentira e eu não disse isso). Mas já que veio como bônus, não desmenti a falsa conclusão a que ela chegou. O fato era que tínhamos virado a mesa e agora ela que queria saber desesperadamente o que nós "Agentes de Preto" sabíamos. Medo, né? E chorou de soluçar. Ela era menos esperta do que eu imaginava. Nesse momento eu já estava fria como um cadáver jogando xadrez.

Honestamente, confesso que não sabia direito qual a próxima peça que ela estava pensando em mexer. Nem queria cantar meu jogo pra ela. Decidi aproveitar a vantagem tática e lancei-lhe uma sucessão de verdes, cujo resultado foi a colheita completa e completamente madura. Sem eu triscar um dedinho sequer nessa criatura, juro, ela abriu toda a história, os nomes que faltavam no organograma da quadrilha, as quantidades, a coisa toda e eu só mandei pra frente.

Enfim, terminados os trâmites legais na delegacia, ela seria levada para outro local. Vi a irmã dela chegando, mas preferi sair fora logo pra não ser vista pela mãe. A minha missão tinha acabado. Nesse dia, nossa equipe precisou estar pronta na delegacia às quatro da manhã para o brieffing e agora eu já estava morta de cansada. Não obstante, o mais bizarro de tudo é que dirigindo de volta pra casa me imaginei atualizando O MEU perfil e inserindo: "pessoa fria, manipuladora e calculista", características que curiosamente mais me chamaram a atenção no modus operandi dela. Preciso dormir.

domingo, 28 de setembro de 2014

Pra cho-car a sociedade.


Quando cheguei aqui neste setor, tive que descobrir praticamente sozinha como trabalhar. Isso é muito normal por aqui, e, não vou omitir, aconteceu em quase todos os lugares por onde passei na polícia. Praticamente não houve passagem de serviço ou da carga de equipamentos, et cetera et al. Por que isso, comunidade? Cara, eu acho que a Administração pensa mais ou menos assim: "você passou num concurso punk desses, sobreviveu a um curso de formação parrudo, então sabe se virar muito bem..." E a vida ri da minha cara.

Curiosamente, a única coisa que me deram quando cheguei aqui pra trabalhar foi uma apostila nada engraçada contendo a legislação aplicável à área. Sério. Minha chefa ou qualquer outro colega só entravam no circuito quando eu provocava com alguma dúvida. Nos primórdios, era tanta informação nova que eu tinha que anotar. Tantos detalhes, e minúcias, e exceções. Assim, tudo o que eu aprendia no tapa ia para o meu roteiro particular de análise de documentos. Acho que manjei uns checklists bacanas (influências militares). Aos poucos, errando aqui e acertando ali, fui traçando um roteiro, um verdadeiro "mapa do caminho das pedras" que não tinha no Google Maps. Quando a minha nova tropa de contratados chegou, apresentei-lhes os checklists e tudo fluiu sem traumas. A vida me encara séria, às vezes.

Agora, nossa chefa quer reunir todos os nossos "clientes policiais", nossos colegas que trabalham na ponta dessa área aqui, e vamos mostrar pra eles onde podem melhorar. Assim, além do consumo interno, a gente agora vai exportar nossos checklists. Bonitinho, né?

(Entenda o caso: os policiais da ponta mandam pra gente o fruto do trabalho deles e os errinhos são tantos que às vezes a gente precisa, inevitavelmente, devolver a papelada toda pra fazerem tudo de novo... Um vergonhoso desperdício de tempo, dinheiro público e energia. Mas agora os nossos problemas acabaram).

Vamos reunir nossa "clientela" num lugar mais que especial... É. E esta que vos escreve será uma das palestrantes no evento!!! Eu. Que escrevo estas mal digitadas linhas para os senhores. Serei pa-les-tran-te. Num evento. Policiaaaaaal. Queria tanto que o nível da polícia não decaísse a esse ponto.

Resta-me sorrir pra vida em "Sol Lamento", disfarçando o frio na barriga.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Fim de expediente.


Agora que passei a ser chefinha com gratificação e tudo, ganhei uma sala pra chamar de minha, a qual divido com um assistente estagiário superlegal. Era pra ser uma vantagem fantástica, afinal, um novo escritório é um símbolo moderno do progresso na carreira de uma pessoa. Além do que, aquela outra sala era barulhenta demais, parecia uma feira. Só que não. Eu fico sozinha à tarde porque o estagiário só trabalha no período da manhã. E qual seria o maldito problema de ficar sozinha? Simplesmente não posso ficar nem um segundo nesta sala após o expediente porque tem um delegado antigão metido a galanteador aqui! Blé.

Pensando seriamente em trazer o Bush meu fuzil preferido pra me fazer companhia. 

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Chegar chegando.


Hoje acordei mais antiguinha. Chegaram dois novinhos aqui pra trabalhar com a gente. Mais novinhos do que eu e, estremeçam antigões que não querem nada com nada, os dois já chegaram assumindo chefia! Quem não faz, leva, tá.

Dois agentes: um do sexo masculino e uma do sexo feminino. Esta, também é natural do Estado em que nasci.  Vieram a fim de substituir o pessoal que estava querendo sair. A chegada de novos agentes significa que eu terei a preferência quando quiser pedir pra trabalhar noutro local. Eu, meditando... sob arrepios de antiguidade.

A Dama de Ferro também aproveitou a "dança das cadeiras" e assumiu uma chefia de ferro na polícia, longe daqui. Eu acho que ela é a primeira mulher a assumir um posto desses. E toda a Terra se alegrou. Porém, para o lugar dela veio um outro delegado muito queimado no quesito relacionamento com os subordinados. Houve choro e ranger de dentes. Como eu conheço a minha tropa, já tratei de investigar. Mas a única coisa que percebi é que o cara é exigente. Bom, exigente eu também sou. Se fosse só isso, a gente iria se dar muito bem.

Só que, ele deixou bem claro que não quer a amizade de ninguém, mas competência. Fico pensando, por que não os dois? Por que eu não posso ter razão e ser feliz concomitantemente? Porque o chefe-sem-amigos disse que é assim que vai ser. Ótimo, então também não sou eu quem vai passar a mão na cabeça dele, ora essa. 

Na primeira missão importante (e cheia de cascas de banana) que ele passou pra mim, eu amarrei todos os detalhes pra que depois ele não me venha acusar de incompetente, de desidiosa, de irresponsável. Essas coisas que os chefes carreiristas e amantes das estatísticas fazem e nos causam tanto mal. Se o padrão de qualidade dele é alto, o meu será Pico Everest Level. Sério, vou deitar o cabelo.

Tanto que meu relatório foi ilustrado com fotografia profissional, desculpa, ok? Chamei o meu antigo e querido ex-chefe aposentado, Roger Murtaugh, pra me dar uma mão. Ele veio vibrando (o trabalho dele na iniciativa privada, não decolou, infelizmente...) Relatório pronto, mandei para o novo chefe-sem-amigos. In relatorium veritas ipsis literis... Mas não era mesmo, o tipo de verdade que ele queria ler ali. Tô nem aí! Latim combina demais com esse meu novo estado de antiguidade policial. Obrigada. 

Com essa experiência, aprendi uma coisa importante. A polícia não é dos espertos, nem dos delegados, nem dos bairristas, nem dos antigões, nem dos puxa-sacos, nem dos mais competentes e preparados. A polícia é de quem tem amigos. 

domingo, 31 de agosto de 2014

Gabinetite.


Parafraseando Che Guevara, se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros, senão, você é um burocrata de gabinete policial.

Devo ter presenciado um delegado nessa situação constrangedora umas duas ou três vezes desde que cheguei na polícia: ele não tinha ~ ideia alguma ~ sobre o que dizer a respeito do documento à sua frente. É a síndrome da gabinetite em fase aguda. Você tentando explicar a experiência de uma montanha russa para o cara que só tinha visto isso na TV.

Com aquela cara de quem tá lendo "A Fenomenologia do Espírito" de Hegel,  ele disse algo como "olha, eu vou analisar com mais calma o que temos aqui... e qualquer coisa te chamo pra gente conversar, ok?". Deu vontade de apoiar a mão no ombro dele, pra demonstrar uma certa compaixão, mas simplesmente saí.

Fico pensando, que frieza é essa que acompanha um burocrata policial, né? Foi essa a impressão que trouxe dele. A operação começou e terminou pra ele ali. Ele não sabe nada sobre as luzes do comboio e sobre o barulho das sirenes abrindo o trânsito caótico da cidade. E eu também voltei para o papel. Feliz, porque mesmo não estando lotada em um setor operacional, eventualmente a gente é chamada a participar de operações policiais. Ainda bem!

terça-feira, 29 de julho de 2014

Seleção.


Tem uma coisa mágica em ser chefe que é ver um pouco de você em cada um dos seus chefiados mas com o conforto de saber que nenhum deles é você, de fato. É uma prerrogativa.

O contrato dos terceirizados e estagiários da nossa "Divisão" era temporário e acabou. Com a Delegada Conterrânea dando linha... eu mesma selecionei um por um da minha equipe e montei um time pra chamar de meu.

Interessante ver as semelhanças, o que tenho em comum com cada um deles e ver o que eles ainda têm de complementar. Sou toda séria com algumas coisas mas adoro o jeito anarquista de alguns deles. Cada um no seu estilo e a equipe está indo bem em todos os sentidos. Bonito isso.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Mesmo assim.

 
Te vejo errando e isso não é pecado,
Exceto quando faz outra pessoa sangrar,
 
Eu poderia voltar pra minha área operacional, sabia? Já havia até feito meus contatos imediatos do terceiro grau, os quais tinham tudo pra dar certo.

Te vejo sonhando e isso dá medo,
Perdido num mundo que não dá pra entrar

Só que não sou tão comprometida assim com critérios, já notou? Tanto que a minha chefa me ofereceu uma gratificação de chefia pra eu não sair daqui e eu aceitei. Eu aceitei.

Você está saindo da minha vida
E parece que vai demorar
Se não souber voltar, ao menos mande notícias
Você acha que eu sou louca
Mas tudo vai se encaixar

Quem diria, né? E vou dizer mais pra vocês, a chefia era de um delegado que está sendo transferido para outro setor. Ou seja, sou o terror das estatísticas. Sou a personificação do improvável no submundo policial. Mulher na polícia, novinha, agente e chefa... Senhores, as histórias desse blog não fazem o menor sentido.

Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia

 
Daí que se eu desaparecer assim, de repente, procurem por mim atrás daquelas montanhas de papel, chafurdada na lama da burocracia. A vida é assim, mesmo, moçada. Nem tudo tem que fazer sentido, entendeu?

E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu

 
Vou ficar mais um tempo por aqui, porque sinto que em time que está ganhando não se deve mexer. Isso parece racionalismo, um mecanismo de defesa catalogado por Freud, e de fato é, pois me ajuda a ficar bem com a decisão que tomei.
 
Você tá sempre indo e vindo, tudo bem
Dessa vez eu já vesti minha armadura
E mesmo que nada funcione
Eu estarei de pé, de queixo erguido

Bom, eu disse que o time está ganhando, não eu... porque essa gratificação não vai compensar o esforço. A minha chefa quer transformar toda a minha vontade de mudar o mundo (sou dessas) em trabalho equiparado ao de escravo, naquela Divisão. Esperta ela. E por isso vou, além de já fazer todo o meu trabalho, acumular as funções do delegado que tá saindo. Claro que não compensa, né?
 
Depois você me vê vermelha e acha graça
Mas eu não ficaria bem na sua estante

Raios duplocarpados! Você entendeu que eu, sozinha, trabalho por quatro pessoas? Faz as contas:

  1. aquela delegada que saiu de férias e não voltou +
  2. o agente antigão que foi transferido +
  3. um contratado que fazia as estatísticas +
  4. o chefe daquele setor administrativo = 4
Só por hoje não quero mais te ver,
só por hoje não vou tomar minha dose de você
 
Aceitei, né. Desculpe, Mark Owen, mas troquei uma vida operacional fantástica (fantástica? Tá bom.... menos) para chefiar uma área administrativa na polícia. Não, nem sou mercenária, mas gosto de saber que me querem por perto. Apenas notem como aquela minha chefa me enrolou bonitinho... Calma gente... não será pra vida inteira, mas acho que combina com essa fase da minha vida. 
 
Cansei de chorar feridas que não se fecham, não se curam
E essa abstinência uma hora vai passar*.
 
 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Com licença, eu vou dormir.

Foto: Reprodução de Internet
 
Quer saber o que eu considero um dos benefícios mais atrativos no serviço público? As licenças! Algumas são remuneradas outras não. Mas se você prestar atenção verá que as duas são muito vantajosas em comparação com a iniciativa privada. É um direito seu e ninguém mexe.
 
Por exemplo: as mãezinhas da iniciativa privada, às vezes, sofrem um pouco porque a empresa torce o nariz quando elas engravidam, precisam parar para alimentar, etc. Aqui, você tem uma licença maternidade muito interessante e dá pra ficar um tempo legal com seu filhote, amamentando em paz... curtindo aquele cheirinho de bebê. Isso é o que toda mãe, assumidamente, quer neste momento, seja ela policial ou não.
 
Não obstante, os prejuízos na carreira das mães policiais existem também. Você demora pra ganhar a confiança do seu chefe e dos seus colegas, e quando eles já vêm você com bons olhos, confiam em ti... você "vai pra geladeira" por estar grávida. Fica numa área burocrática até ganhar seu bebê porque a gravidez é incompatível com a área operacional da polícia. Você e o seu bebê precisam ficar um pouco melhor protegidos de se machucarem no trabalho. Acho isso muito digno.

A única coisa chata disso tudo é que depois você vai ter que recomeçar do zero, se e quando surgir uma vaga naquela unidade com a qual você tem afinidade e gosta de trabalhar. Não há garantias de retorno...
 
Mas você acha mesmo que é nisso que a pessoa pensa quando tem um bebê fofinho pra dar o peito? Não, a gente pensa mesmo é que alguém vai dormir felizzzzzz.

sábado, 12 de abril de 2014

Obstáculo.

 
"Que a minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que mereço
Que a tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
A outra metade um vulcão".
(Oswaldo Montenegro)

domingo, 9 de março de 2014

Uma piada de matar.

 
Mandaram pra este setor, recentemente, um escrivão de polícia. Mas este não é um policial comum. Além de ser um cara humilde, ele fora selecionado entre os selecionados para compor uma equipe de ponta com policiais de altíssimo nível. Eu só conversei com ele e já fiquei fã. Não é qualquer policial que tem condições de trabalhar no local para onde ele tinha sido selecionado.

Mas no meio do caminho tinha um matador de sonhos.
 
Quando finalmente conseguiu falar com O Matador, contou sua história e pediu pra ser então, formalmente lotado no setor já mencionado, afinal tinha vindo de longe pra isso. Mas qual não foi a sua surpresa quando o Delegado Matador lhe comunicou friamente que essa função "não era uma função para ser desempenhada por escrivães" e mandou-o pra cá. Para o papel... "Porque papel é uma função que tem mais relação com aquelas previstas para o cargo dele". O escrivão achou, sinceramente, que era alguma brincadeira de mal gasto. Mas não. O Matador concluiu com essa máxima: "Cada macaco no seu galho" e ponto final.

Lembrei-me de uma piada.

Um camelinho, no zoológico, perguntou pra mãe dele? 
- "Mãe, porque nós temos essas pernas tão grandes?

A mãe respondeu:
- "Para que tenhamos mais facilidade ao percorrer grandes distâncias no deserto, filhote".

O filho sorriu e perguntou:
- E porque temos essas corcovas tão grandes?
 
- "Ora, meu filho", respondeu a mãe, "para que possamos armazenar mais água e sobreviver a longos períodos de estiagem no deserto".
 
O filho fez mais uma pergunta.
- "E por que temos esses cílios tão grandes, mamãe?"
- "É pra proteger nossos olhinhos nas tempestades de areia do deserto, meu amor". Respondeu a mamãe toda orgulhosa.
 
O pequeno e esperto camelinho pensou, pensou, pensou e mandou mais uma:
- "Mamãe, por que temos pernas longas, cílios grandes e essas corcovas enormes... enfim, tantas habilidades tão especiais, se vivemos num zoológico?

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Amiga linda (texto removido).

 
(texto removido por motivo de segurança)

 Galera...

Acho que "a casa caiu"... ou não... de qualquer forma, achei prudente retirar o texto dessa postagem (vacilo meu!). SE eu retirar o blog do ar por alguns dias... não se assustem. Eu volto, nem que seja pra dar uma satisfação ou... se for realmente necessário, pra me despedir. É que notei uma movimentação "suspeita" e acho que o espião está perto demais. Porque ou o blog é anônimo ou não tem blog.
 
Mas estou monitorando a situação... Se Deus quiser, o "espião" vai embora, e então a gente segue em frente.
 
; )

Beijos!

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O único dia fácil foi ontem.

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Este texto está sendo escrito a partir do meu ponto de vista. Não representa o posicionamento dos instrutores do setor de tiro da minha escola de formação policial, nem é a opinião da minha Academia, nem é a doutrina oficial da minha Polícia. E digo mais... muitos dos meus bons colegas certamente criticariam este texto. Paciência, meu bem... porque o blog é meu.


Na minha Academia, o que vai fazer a diferença na nota da galera são as matérias práticas. O resto é tudo nota 10 ou 9.9,  9.8... assim. Essas matérias, principalmente Ed. Física, Defesa Pessoal e Tiro, são também as campeãs em reprovação (vide último curso, meninas). Além disso, na minha modesta concepção, é no tiro, principalmente, que se detectam os alunos psicologicamente despreparados. (Não... não é no psicotécnico, tá?). Mas graças às misericórdias de Deus Pai Todo-Poderoso, foi nessas matérias aí que me saí melhor. Enganei bem!

 Pensa comigo. No caso do tiro, o treinamento me rendeu:
  • a segunda melhor nota na minha turma (a primeira foi de outra menina, oriunda de outra polícia);
  • o apelido carinhoso de "pistoleira" entre os colegas (adorei!!) e
  • um final de semana maravilhoso, namorando, é claro, porque ninguém é de ferro e eu mereci (minha prova foi na sexta-feira à tarde).
Esta "pistoleira" abusada que vos escreve entende que existem três princípios básicos pra se dar bem no tiro. É o "SAT" - Segurança, Atenção e Técnica.
Quando partir para as aulas práticas no estande de tiro, certifique-se cuidadosamente de que está com todos os equipamentos necessários e bem ajustados. Isso é fundamental. Se você estiver sem um equipamento de proteção por exemplo, não vai poder fazer aula... e vai levar falta! Use protetor solar, mas limpe bem as mãos depois, pra arma não ficar escorregando; Amarre firme o cabelo e cuidado com o franjão no olho... atrapalha! Amarre forte o cadarço do boot; dá uma passada no banheiro antes... Beba bastante água, porque não pode levar "mamadeira" para a linha de tiro... e re-la-xa. Por que? Porque não dá pra entrar num estande e ficar preocupado com qualquer outra coisa na face da Terra, senão em fazer um tiro seguro e eficiente. Vai por mim.

Não faça ~nada~ sem ter sido comandado antes, (não tire a arma do coldre sem autorização, não municie os carregadores da arma sem comando, não se levante, etc.!) Obs.: municiar é uma coisa, carregar é outra (joga no gugou).

Só coloque o dedo no gatilho da arma, quando realmente for efetuar o disparo. Só!!! Olhe as fotos na Internet... é tudo com o dedo indicador estendido ao longo da armação. É uma regra espetacularmente simples, mas em quase toda turma ocorre um disparo acidental. Aí, será quase meia hora de sermão do professor com a decepção estampada no rosto, mais o sofrimento dos colegas que estão próximos a você na linha de tiro.
Por tudo o que lhe for mais sagrado... "Controle a direção do bendito cano da arma", ou seja, jamais, nunca... em hipótese alguma... esqueça a sua arma apontada para alguém ou para uma área não segura. Se você se distrair vai ouvir doces berros dos professores no seu ouvido. Do not do that, ever, pra depois não reclamar que os professores de tiro são grossos... pôxa.
Importantississississimo!!! Controle sua ansiedade nessas aulas e preste atenção, meu querido. Ouça  e confie nas orientações dos professores... Aproveite-as! Porque tiro é uma matéria que não se aprende lendo apostila. Não tem como "pegar" depois com um colega. É um passo de cada vez e nessa aula tem que se concentrar no que está sendo feito. É muita informação (que não tem na apostila, repito) em pouquíssimo espaço de tempo. Às vezes o aluno, por melhor que seja, tem dificuldade de acompanhar a aula por causa do cansaço, do stress, da tensão, da adrenalina e... da pressão dos professores... (isso prepara você para o combate em ambientes e situações exigentes). Então, olha... não entendeu? Pergunta! Pede para o professor demonstrar novamente. Por que? Porque tem coisa que se você não prestar atenção, pode se machucar feio! Exemplos (esses bizus você não lê nos fóruns da vida):

  • Na submetralhadora, você deve "colar" o rosto no prolongamento da coronha pra dar estabilidade ao seu tiro (são cinco pontos de apoio dessa arma no seu corpo, o rosto é um deles, cola!). Já na espingarda calibre 12 se você chegar o rosto muito perto da arma esse trambolho vai te dar uma porrada (aconteceu comigo, depois da Academia!) podendo até te quebrar alguns dentes (a SPAS 15, principalmente! Porcaria de arma).
  • Observe exatamente a posição das mãos na empunhadura de cada arma. Muita gente boa machuca o dedo na submetralhadora porque chegou a mão de apoio muito perto do cano da arma. Bisonhice pura... mas acontece muito.
  • Cuidado com a posição das mãos no tiro noturno, a mão que porta a lanterna passa por baixo da mão que segura a arma, obviamente, do contrário o ferrolho vai bater violentamente na mão que segura a lanterna, na hora da ciclagem (quando a arma abre pra saída do estojo). Esta já aconteceu comigo, também... meus amigos Dããã. (mas também foi fora da Academia e ninguém viu... sou super bisonha!) . 
No mais, meus queridos leitores que vão enfrentar a "madrasta" (academia de polícia), os desafios serão um atrás do outro, mas vale a pena! Você vai sentir medo, desânimo, cansaço, desespero, tristeza, dor, solidão... mas se fosse fácil a vitória não seria tão gostosa e essa camisa não seria tão linda e cobiçada! Se você errar, bem-vindo ao clube dos humanos! Fique calado, guarde suas desculpas pra você mesmo e supere isso rápido, aprender a lidar com seus próprios erros e com os erros dos colegas faz parte do treinamento pra vida real. Vai na força que Deus te dá e senta o dedo!

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Alfabeto da Academia.

 
A sua vida vai mudar depois que você se tornar um policial (pronto: primeiro cliché do ano). Sua visão de mundo, seu comportamento e o seu alfabeto vão mudar. Vá entrando no clima.
 
O "P1" (lê-se pê-um") é como alguns funcionários e professores chamam a entrada da Academia. A Portaria. O Plantão. No começo é estranho mas depois você entende que "P" é "ponto", logo P1 é o "ponto um". É verdade que não consegui identificar o P2, o P3... Mas o P1 todo mundo aprende logo onde é. Mas P1, P2, P3... também é a nomenclatura com a qual você identifica os policiais num treinamento de abordagem, por exemplo. Assim, em vez de dizer "o policial que está conduzindo o veículo" ou "o policial que está sentado no banco do carona" ou ainda o "o policial que está atrás do banco do carona" fala logo P1, P2, P3... pronto.
 
Como esta, várias outras expressões se resumem a letras e números. Por exemplo, G36, G 17, PT 100, PT 24/7 são armas. É bem melhor falar "G36" do que "Fuzil Heckler & Koch 5.56x45mm Gewehr 36" até porque existem variantes G36, G36V, G36K, G36KV, G36C, MG36 e MG36E. Se liga, aluno!

S1, VIP, S2 são viaturas em comboio e o mundo inteiro fala assim. Ah, policial não anda em carro, ok? Anda em viatura.
 
X9 é um informante, também pode ser um "dedo duro" ou um traidor. Depende de que lado você está. Já sabia, né? Só que eu não.

O calendário gregoriano também sofre alterações na Academia. Se um aluno pergunta para o outro "Que dia é hoje?" e este responde que hoje é "D menos 30" ou "30 fora" isso significa que faltam 30 dias para o final do curso.
 
Ás vezes, prefere-se utilizar o alfabeto fonético internacional (Alpha, Bravo, Charlie, Delta...). Assim, a letra "D" vira Delta. PM vira Papa Mike (Policial Militar), Papa Charlie (Policial Civil), Alpha Papa Fox (Agente de Polícia Federal). Você aprenderá rápido!
Normalmente, as turmas são nomeadas oficialmente por ordem alfabética, mas é claro que os apelidos são férteis. "Turma Garra" para a Turma G; "Muralha" para a Turma M; Mas os professores também se utilizam da letra para identificar as turmas "problemáticas" tipo, Turma A de "Amadora", Turma B de "Bisonha", Turma C de "Turma Chata", Turma D vira a "Turma Delicada"... e por aí vai. Aí, meus amigos... coitado do(a) Xerife (representante da turma)!
 
O "Código Q" ainda é usado nas comunicações via rádio, câmbio, mas ganha adaptações, câmbio. QRF não existe no "Código Q" oficial, mas pra nós era "Refeição". QRU ("tem algo pra mim?") vira "encontro com o(a) amante". "Alpha 2" também significa amante. E, abre o olho amiga, se seu namorado policial tiver no celular, o indicativo "sobreaviso" isso também significa amante. Câmbio final, nele!